Uma das características mais marcantes e preocupantes dessa
eleição presidencial em 2014, é o aumento dos casos de intolerância a opinião
alheia. A campanha que mais vem sofrendo isso é a da candidata Dilma Rousseff,
que concorre à reeleição para a presidência da República, sobretudo depois de
seu crescimento nas últimas pesquisas de setembro. Obviamente ninguém é
obrigado a votar nela, muito menos a gostar dela, mas o que se espera de
qualquer cidadão no âmbito de uma democracia é o respeito às opiniões alheias
sem agredir. O debate e a discordância é normal e sadio, mas a agressão e a
injúria é um retrocesso democrático e mostra uma falta de traquejo para o
debate, a falta de argumentos e o crescimento do ódio e da intolerância a
diversidade.
A campanha de Dilma tem sofrido uma série de ataques coordenados
nas ruas. Suas placas estão sendo quebradas, seus cartazes arrancados, e o
pior, até os adesivos em carros e motos estão sendo arrancados. A pessoa coloca
o adesivo de apoio à candidatura em um carro e simplesmente, depois de
estacionar, a propaganda some. Um ato de desrespeito que eu tenho visto ser
narrado por uma série de apoiadores da campanha de reeleição da atual
presidente.
O que eu me pergunto é o que leva alguém a se achar no
direito de retirar um adesivo do carro alheio? Será então que eu não tenho
direito de apoiar uma candidatura? O fato de alguém não gostar da candidata que
o outro apoia dá o direito dessa pessoa simplesmente arrancar uma propaganda do
veículo do outro?
É um ato de irracionalidade e de agressão, de intolerância e
de ódio que ultrapassa a simples crítica política, a discordância de ideias.
Acredito que o indivíduo que age assim deve ser o mesmo que é a favor de outros
atos de intolerância, como o racismo, a homofobia. E sabemos muito bem que não
se trata de a-partidários ou de pessoas que votam em branco, caso contrário, os
demais candidatos estariam sofrendo o mesmo tipo de agressão.
Trata-se, portanto, da agressão de militantes e
simpatizantes de outras candidaturas, o que faz a coisa ainda se tornar pior,
pois mostra que esses apoiadores estão tentando construir essas candidaturas em
cima do ódio, do preconceito e da agressão, agindo com intolerância, não
respeitando o direito de livre expressão dos outros. Sabemos muito bem quais
são as campanhas que estão fazendo isso e quem é o eleitorado que faz esse tipo
de coisa. É o mesmo eleitorado que odeia os pobres nas universidades (e que
comete atos de preconceito e racismo nos campus, como o que ocorreu na UFMG
recentemente; quando alunos se vestiram de Hitler e fizeram gestos racistas,
pintando calouros como negros; e tantos outros que andamos vendo e que acabam
não repercutindo), que faz ofensas racistas em estádios de futebol, que chama
os programas sociais de esmola e assistencialismo, que ofende os outros
gratuitamente nas redes sociais por não pensar como eles.
É preocupante ver o crescimento da intolerância, do ódio.
Não estamos dizendo que as pessoas não devem discordar desse ou daquele
candidato, desse ou daquele governo, mas daí partir para agressão, para ofensas,
já é outra coisa, mostra um nível de não tolerância ao diferente, de não
tolerância à diversidade. Isso me parece ser fruto de uma geração de classe
média e de pseudo-classe média, que tem problemas em ser contrariada, que não
sabe ouvir não. Uma geração criada a danoninho, que tem paitrocínio para tudo,
para os estudos (são contra os “assistencialismos” do governo, mas não são
contra o assistencialismo do papai), para as baladinhas e etc, e que quando
houve um não, deita no chão e faz manha, agride, grita e esperneia até
conseguir dos pais aquilo que deseja, por mais absurdo que seja o pedido.
Alguém pode até tentar justificar essas ações, falando que
isso ocorre como protesto à corrupção e coisa do tipo, mas se fosse assim, as
placas dos outros candidatos presidenciáveis estariam também sendo arrancadas,
pois todos os três principais candidatos têm acusações contra eles e contra os
seus partidos. Marina tem acusações pesadas contra ela, envolvendo o avião da
campanha de Eduardo Campos. O PSB enquanto partido tem acusações a responder. O
próprio Marido de Marina Silva é acusado em um caso grave de corrupção
envolvendo desmatamento. Aécio Neves tem
acusações sobre os aeroportos “fantasmas” que fez em Minas Gerais, um deles na
fazenda de seu tio avô, na cidade de Cláudio. Além disso, o PSDB é acusado de
vários casos de corrupção pelo país, como a Lista de Furnas, a compra de votos
para a reeleição de FHC, dentre outros. Dilma também teve escândalos de
corrupção em seu governo e no governo Lula, sendo que o mensalão foi o caso
mais discutido e considerado pela grande mídia como o mais grave. Ou seja, se
fosse por isso, se fosse por corrupção ou por acusações de corrupção, todos os
candidatos estariam sendo atacados igualmente.
No fundo, os ataques contra a candidatura de Dilma tem outro
caráter, eles mostram a irracionalidade de parte do nosso eleitorado, que
perdeu privilégios ou que acha que perdeu privilégios. Um eleitorado
intolerante com a diferença, com outras formas de pensar, que deseja impor suas
ideias a qualquer custo, mesmo que seja na pancada. É um eleitor que acredita
piamente em tudo o que a grande mídia diz, que não entende que essa mídia tem
interesses e tem opiniões políticas. Por fim, é um indivíduo que odeia o outro,
que se identifica com o que a grande mídia prega, independente de qualquer
argumentação.
Quando eu comecei a fazer esse texto à coisa ainda estava
branda, no nível apenas da derrubada de cavaletes e na destruição de material
de campanha. Agora, três militantes do PT, um em Curitiba e dois no Pará, foram
mortos nos últimos dias enquanto faziam campanha. Ou seja, estamos falando de
assassinatos por motivação política, e provavelmente em crimes com mandantes.
Alguns ainda vão tratar isso, essa intolerância, como uma
revolta legítima e mesmo como algo normal e fruto de uma decepção com o
governo, ou de uma revolta de um povo que não aguenta mais esse governo. Mas
será que se ocorresse o contrário, será que se fossem os apoiadores de Dilma
que estivessem fazendo isso com as outras campanhas, isso seria tratado da
mesma forma? Será que se eles fizessem isso aqui em Minas com o governo do
PSDB, também a 12 anos no poder, ou com o governo de São Paulo, que tem também
o PSDB a mais de 20 anos no governo estadual, a coisa seria vista e tratada
como uma revolta justa? Será que é isso o que queremos para o nosso país? Será
que o que queremos é essa intolerância? Eu, no que concerne a discutir
política, prefiro ficar no debate das ideias. Quando critico um candidato, o
critico pelo seu currículo ou por suas ideias, ou por ambos, mas jamais o
agredindo pessoalmente, jamais com xingamentos e palavras de baixo calão. Penso
que esse deveria ser o tom das campanhas e o tom dos eleitores, mantendo o
direito e até o dever de discordar de ideias que não convencem, mas conservando
o direito dos outros poderem se manifestar, mostrar suas ideias. Acho que
aquele velho ditado deveria ser cada vez mais observado: O direito de um começa
aonde termina o do outro.
Átila Siqueira é Historiador, Bacharel em História pela
PUC-MG e Mestrando em História, pelo programa de pós-graduação em História da
UFMG, na linha de História e Culturas Políticas.