Fui a uma peça de teatro nesse fim de semana com a minha
namorada. Tratava-se de um espetáculo da campanha de popularização do teatro e
da dança, uma das iniciativas culturais mais interessantes que ocorre na região
metropolitana de Belo Horizonte. Era uma peça de comédia, a casa estava cheia,
quase não havia local para sentar, pois se tratava de uma das peças mais
badaladas aqui em Minas Gerais, uma comédia chamada: “Acredite, um espírito
baixou em mim”.
A peça é uma comédia até interessante, mas o que mais me
chamou a atenção foi perceber que a nossa classe média ainda não se livrou de
alguns estereótipos, de alguns preconceitos viscerais que existem na sociedade
brasileira, fruto de um elitismo cultural que vem de nossos tempos
coloniais/coronelistas e do nosso processo de modernização feito através de uma
elite que desejava ser europeia/estadunidense. Nessa peça pude perceber
claramente o classismo, um racismo bem apagado, mas presente, e uma homofobia
transvertida em humor que talvez seja hoje uma das questões mais cruéis que
nossa sociedade ainda mantém.
Realmente eu não acho que os atores tinham a intenção de
ofender alguém, até pelo contrário. Eles me pareceram bastante simpáticos. E
talvez tenha sido isso que tenha mais me preocupado. Talvez eles tenham sido
racistas, homofóbicos, classistas e elitistas sem mesmo perceberem que estavam
fazendo isso. Fizeram de forma inocente e naturalizaram as coisas. Ali se
construiu um deboche ao Outro, construindo assim, uma identidade ideal padrão.
O normal, belo, bonito, ficou sendo representado pelo homem branco, bem
sucedido de classe média, enquanto o anormal e motivo de risos foi constituído
na figura do pobre, homossexual e da mulher brega de origem pobre.
Os velhos estereótipos produtores dos nossos piores
preconceitos aparecem ali. O gay como motivo de chacota, ao lado pobre. A
ausência do negro. Os ofícios dos pobres mostrados como algo negativo, e, por
fim, como positivo, a figura do homem branco, heterossexual, jovem, de cabelos
lisos.
É a perpetuação dos velhos preconceitos como algo correto,
em tom de humor, proferido a um público de classe média de escolaridade média,
que não conhece os mínimos conceitos históricos para compreender as origens
dessas ideias e o quanto elas podem ser nocivas à sociedade. Isso explica a
quantidade de risadas que eu ouvi, enquanto eu ouvia estarrecido os pobres e os
gays serem motivos de chacota.
Átila Siqueira é
Historiador, Bacharel em História pela PUC-MG e Mestrando em História, pelo
programa de pós-graduação em História da UFMG, na linha de História e Culturas
Políticas.