Depois de muito ler sobre o Brasil e
de me manter ativo na sociedade, enquanto cientista social, escritor e cidadão
militante de várias causas históricas, o que eu percebi é que o Brasil sofre de
uma baixa escolaridade endêmica. Isso não quer dizer que as pessoas não estão
indo a escola, nem que não estão se formando, ou ainda, que a escolaridade no
Brasil não tem aumentado.
O que acontece é que existe um
distanciamento entre o mundo acadêmico-científico e o mundo cotidiano,
sobretudo quando se refere às disciplinas de ciências humanas, que são
exatamente aquelas que estudam e refletem sobre as sociedades. Muito disso
ocorre por culpa dos próprios cientistas sociais, que não conseguem construir
um trabalho sistemático de divulgação científica, o que priva as pessoas que
estão fora da academia de suas reflexões e estudos, dando espaço para o
surgimento de indivíduos pouco instruídos que se tornam formadores de opinião,
ocupando o espaço vazio que os sociólogos, historiadores, filósofos e
antropólogos deixam.
O problema então se torna endêmico:
as pessoas não conhecem a história, os conceitos básicos da cidadania e do
Estado de Direito, não sabem como funciona a política, as instituições, não
sabem seus direitos e deveres e se deixam levar por formadores de opinião que
também não sabem nada disso e que ainda têm interesses a serem defendidos
quando produzem sua opinião na grande mídia e na internet. A escola não é
suficiente para romper isso, pois a quantidade de aulas de ciências humanas é
inadequada e muitos dos professores são pouco capacitados, além de livros
didáticos ruins (essa situação tem mudado lentamente: os professores atuais
estão mais bem qualificados nas ciências humanas e os livros mostram uma melhora
significativa, por estarem sendo escritos por outros cientistas sociais, ao
contrário do que ocorria antes, quando eram escritos por jornalistas e
advogados) e, principalmente, muitos alunos não estudam de fato, por não terem
estrutura familiar para isso, o que também produz uma situação que não propicia
ambiente que instigue o conhecimento e a reflexão aprofundada e baseada em
estudos sérios, além da própria situação familiar, de baixa escolaridade de
irmãos e parentes não auxiliar na construção de uma real absorção do
aprendizado.
Para piorar temos uma mídia
idiotizante, com interesses segregacionistas, programas imbecilizantes na
televisão, baixa quantidade de leitura e ainda mais baixa quantidade de leitura
de qualidade (isso não quer dizer que o povo seja completamente a-crítico e que
não resista e construa suas próprias demandas frente aos interesses das elites
e da mídia), além de muitas igrejas e poucas escolas e universidades (o
problema não é existir igrejas, mas sim como elas se comportam, tentando impor
ao Estado de direito os preceitos de seus livros sagrados e seus próprios
preceitos como verdades absolutas e como leis para todos, embora a religião
devesse ficar somente no campo privado das pessoas e dos templos. Isso sem
contar a própria interferência no corpo social, afastando seus seguidores de
estudos científicos e os levando a crer somente nos preceitos religiosos). O
resultado disso é uma sociedade que não conhece sua história (e quando acha que
conhece comete erros interpretativos dos mais grotescos possíveis), não sabe o
que é cidadania e não consegue discernir entre Estado, sociedade, público,
privado, religião, direito e dever.
É o que vemos, por exemplo, nos usos
indiscriminados de termos como nazismo, nas interpretações sobre os movimentos
sociais, sobre o feminismo outros assuntos mais. As pessoas desejam opinar
sobre esses assuntos, mas fazem isso se baseando em outras pessoas que também não
compreendem de fato esses processos, ao invés de se basear em livros
especializados, produzidos por autores que dedicavam uma vida inteira a esses
assuntos.
Essa e a baixa escolaridade endêmica,
que mantém os preconceitos, as segregações, o achismo sem leitura, se apoiando em
preceitos falidos. É realmente um caso de endemia, que não se resolve somente
com Escola e universidade, embora ambas as coisas sejam mais do que essenciais.
Se resolve trabalhando com a sociedade dia após dia, levando cidadania,
dialogando, divulgando o conhecimento e o tornando acessível. Esse é o desafio
do Brasil, ou pelo menos um deles, acabar com a baixa escolaridade endêmica,
levando os conceitos básicos as pessoas, produzindo cidadania e consciência
histórico-social.
Átila Siqueira
Átila Siqueira é Historiador, Bacharel em História pela
PUC-MG e Mestrando em História, pelo programa de pós-graduação em História da
UFMG, na linha de História e Culturas Políticas.