Ao conversar com as pessoas,
sobretudo nas redes sociais, eu tenho visto o quanto o Brasil carece de
leitura. E não que não haja acesso aos livros, pois atualmente eles andam
bastante acessíveis, mas sim uma carência de interesse e de prática de pegar um
determinado momento de sua vida para ler sobre assuntos que te interessam.
No Brasil atual, as pessoas,
sobretudo nas redes sociais, se mostram cada vez mais interessadas em abrir
suas opiniões, seus pontos de vista. O Brasil tem produzido uma massa que
deseja ser crítica, que deseja opinar, que deseja participar das questões
públicas. Enfim, temos formado uma opinião pública e uma sociedade civil ativa
cada vez mais abrangente, o que é extremamente saudável para uma democracia.
O problema é que essa nova
opinião pública não está disposta a perder sequer uma hora de seu dia para ler.
E quando se propõe a ler, eles não procuram leituras especializadas, mas sim,
jornais escritos com uma extrema má qualidade de informações e com textos
curtos e frágeis. O resultado disso é que temos a formação de uma opinião
pública pouco instruída, que se deixa levar por meios de comunicação que no
mínimo podem ser chamados de questionáveis. E para piorar a situação, essas
pessoas que agora entram para o espaço da chamada sociedade crítica, não
conhecem os valores mais universais e primários da democracia e do Estado de
direito, além disso, chegam a esse espaço com ranços ideológicos dos tempos dos
coronéis e dos tempos da Ditadura. Isso então resulta em uma onda de loucura de
opiniões sem embasamento teórico, misturadas com fascimo e com resquícios de um
senso comum de justiça e de sociedade que não tem nada a ver com o Estado de
direito, isso para não falar na aversão ao debate sério e pautado em
argumentações.
Até ai tudo bem, pois as pessoas
podem muito bem entrar para a opinião pública com conceitos “errados” e com
desconhecimento do que se trata o Estado de direito, porém, esses indivíduos
entram assim e continuam da mesma forma, pois simplesmente não estão dispostos
a debater racionalmente e a buscar informações através de leituras
especializadas. É essa a situação que me preocupa e que me motivou a escrever
essas reflexões de hoje: uma opinião pública que não lê é no mínimo algo
preocupante, pois elas exprimem uma opinião arbitrária, que não está aberta a
argumentação.
Alguns casos recentes têm me
chamado a atenção a esse respeito e podem ser brevemente comentados: Houve as
manifestações de Junho e a questão anti-copa, a criação da Hidrelétrica de Belo
Monte, a questão da PEC 37, o programa mais médicos, o programa do governo de
São Paulo que ficou apelidado como Bolsa Crack e por último, o Julgamento do Mensalão.
Todos esses casos tem uma coisa
em comum, a opinião pública os atacou com um ódio mortal, com uma extrema
agressividade, embora com uma argumentação frágil, que não escutou
especialistas nas áreas correlatas e muito menos se preocupou com dados. Aliás,
a opinião pública não estava muito preocupada em debater sobre o assunto e
escutar o outro lado, mas sim em apedrejar e em repetir as frases de efeito da
imprensa, ou seja, da opinião publicada.
Essa, aliás, é uma das
características dessa nova opinião pública, repetir letra por letra o que é
dito pela opinião publicada, que por sua vez não escreve se baseando em
análises de especialistas nas áreas discutidas. O que me pergunto então é qual
o nosso futuro político?
A Pec 37, por exemplo, foi amplamente
rechaçada por uma população que nem se quer leu o que era o projeto de lei.
Eles simplesmente acreditaram em uma propaganda da Globo e foram para as ruas
repetindo mantras. Ninguém percebeu que a OAB estava a favor e, muito menos,
procuraram saber porque uma instituição formada por juristas estava a favor
dessa emenda. Ou seja, não houve debate, houve apenas gritos furiosos que nem
se quer se davam ao trabalho de escutar o outro lado.
O programa mais médicos teve a
mesma recepção, embora com o tempo e com muito esforço, a situação conseguiu
ser revertidas pouco a pouco, até o ponto em que o programa tem sido cada vez
mais aceito.
Mas o caso mais enigmático, ao
meu ver, é o Julgamento do Mensalão. O ódio nos comentários chega ser
surpreendente. Ninguém está minimamente preocupado com o julgamento em si, ou
seja, com apresentação de provas, com os trâmites legais, com os pareceres de
juristas, com os questionamentos e com as questões técnicas. As pessoas
simplesmente só querem ver condenações, querem ver punição e se possível, até
morte e sangue. O próprio senso de justiça é subvertido. Justiça deixa de ter o
significado de acareação de provas e de condenações e punições/absolvições
previstas em lei e na jurisprudência e toma um caráter de vingança. E pior, os
réus passam a ser condenados a priori, se tornam bandidos da pior espécie a
partir do momento em que a acusação surge contra eles. E se isso já não fosse
pouco, os réus ainda se tornam culpados pela própria natureza, ou seja, por
serem políticos. O senso comum e ideias baseadas em preconceito entram com
força, em detrimento a argumentos fundamentados. A construção da ideia da
corrupção (o interessante é lembrar que a ideia de sociedade corrupta já foi
usado antes para promover o ódio e para auxiliar na subida ao poder de grupos
autoritários: isso aconteceu na Itália com o fascimo, na Espanha com o General
Franco, na Alemanha com Hitler e em outros diversos locais, tendo como o
principal argumento a cura para a corrupção política e moral da sociedade), que
vai muito para além da corrupção em si, entra como um catalisador que faz com
que as pessoas fiquem cegas por uma justiça que não está prevista em lei, mas
sim, que tem a ver com vingança, com linchamento, independente de provas.
No caso do mensalão, por exemplo,
até onde eu pude ler, não há provas de que houve a compra de votos, mas também
não há provas de que não houve. Só que quem tem que provar a culpa dos réus é a
justiça. Daí os questionamentos do julgamento. No entanto, ao meu ver, mesmo
que os réus tivessem provas cabais de inocência, ainda sim eles seriam tidos
como culpados pela grande mídia e, por conseguinte, pela opinião pública que
não lê. Pouco importa as considerações feitas sobre o duplo grau de
jurisprudência, sobre o uso da teoria do domínio do fato de uma forma
completamente adversa da proposta, ou mesmo sobre a falta de provas e sobre o
desmembramento do julgamento. Geralmente a resposta para esses questionamentos
é “Fodas, eu quero corrupto na cadeia”. Ou seja, não há muito debate e nem
abertura para questionamento. As ideias já chegam fechadas e sem perspectiva de
mudança.
A minha preocupação é com as
consequências de uma opinião pública que não lê, que não tem noção do que é
Estado de direito e que age como uma turba enlouquecida, sedenta de sangue, mas
que ao mesmo tempo, deseja direitos. Essa demanda ambígua, que quer direitos e
não respeita os direitos dos outros me lembra a velha frase que foi muita dita
até os anos 80 por muitos políticos: “Aos amigos tudo, aos inimigos, os rigores
da lei”. Penso que ainda há um ranço dessa forma de pensar na nossa população.
Duvido muito que a maior parte das pessoas que querem cadeia a qualquer custo
para os mensaleiros aceitariam calados serem colocados presos sem provas.
Enfim, o meu medo é que daqui
para a frente acabemos construindo uma sociedade fascista, que deseja impor ao
outro as suas verdades, sem debates, sem leituras, apenas com ódio, força e
gritos. E o que eu gostaria de saber é qual seria o caminho para transformarmos
a nossa opinião pública em uma opinião leitora?
Átila Siqueira.
Átila Siqueira é historiador, formado como Bacharel em
História pela PUC-MG, e também é escritor.