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19 novembro 2013

“Aos amigos tudo, aos inimigos, os rigores da lei”: A continuidade da frase coronelista em uma população sem leitura.

Postado Por: Átila Siqueira.  |  Em:





Ao conversar com as pessoas, sobretudo nas redes sociais, eu tenho visto o quanto o Brasil carece de leitura. E não que não haja acesso aos livros, pois atualmente eles andam bastante acessíveis, mas sim uma carência de interesse e de prática de pegar um determinado momento de sua vida para ler sobre assuntos que te interessam.

No Brasil atual, as pessoas, sobretudo nas redes sociais, se mostram cada vez mais interessadas em abrir suas opiniões, seus pontos de vista. O Brasil tem produzido uma massa que deseja ser crítica, que deseja opinar, que deseja participar das questões públicas. Enfim, temos formado uma opinião pública e uma sociedade civil ativa cada vez mais abrangente, o que é extremamente saudável para uma democracia.

O problema é que essa nova opinião pública não está disposta a perder sequer uma hora de seu dia para ler. E quando se propõe a ler, eles não procuram leituras especializadas, mas sim, jornais escritos com uma extrema má qualidade de informações e com textos curtos e frágeis. O resultado disso é que temos a formação de uma opinião pública pouco instruída, que se deixa levar por meios de comunicação que no mínimo podem ser chamados de questionáveis. E para piorar a situação, essas pessoas que agora entram para o espaço da chamada sociedade crítica, não conhecem os valores mais universais e primários da democracia e do Estado de direito, além disso, chegam a esse espaço com ranços ideológicos dos tempos dos coronéis e dos tempos da Ditadura. Isso então resulta em uma onda de loucura de opiniões sem embasamento teórico, misturadas com fascimo e com resquícios de um senso comum de justiça e de sociedade que não tem nada a ver com o Estado de direito, isso para não falar na aversão ao debate sério e pautado em argumentações.

Até ai tudo bem, pois as pessoas podem muito bem entrar para a opinião pública com conceitos “errados” e com desconhecimento do que se trata o Estado de direito, porém, esses indivíduos entram assim e continuam da mesma forma, pois simplesmente não estão dispostos a debater racionalmente e a buscar informações através de leituras especializadas. É essa a situação que me preocupa e que me motivou a escrever essas reflexões de hoje: uma opinião pública que não lê é no mínimo algo preocupante, pois elas exprimem uma opinião arbitrária, que não está aberta a argumentação.

Alguns casos recentes têm me chamado a atenção a esse respeito e podem ser brevemente comentados: Houve as manifestações de Junho e a questão anti-copa, a criação da Hidrelétrica de Belo Monte, a questão da PEC 37, o programa mais médicos, o programa do governo de São Paulo que ficou apelidado como Bolsa Crack e por último, o Julgamento do Mensalão.

Todos esses casos tem uma coisa em comum, a opinião pública os atacou com um ódio mortal, com uma extrema agressividade, embora com uma argumentação frágil, que não escutou especialistas nas áreas correlatas e muito menos se preocupou com dados. Aliás, a opinião pública não estava muito preocupada em debater sobre o assunto e escutar o outro lado, mas sim em apedrejar e em repetir as frases de efeito da imprensa, ou seja, da opinião publicada.

Essa, aliás, é uma das características dessa nova opinião pública, repetir letra por letra o que é dito pela opinião publicada, que por sua vez não escreve se baseando em análises de especialistas nas áreas discutidas. O que me pergunto então é qual o nosso futuro político?

A Pec 37, por exemplo, foi amplamente rechaçada por uma população que nem se quer leu o que era o projeto de lei. Eles simplesmente acreditaram em uma propaganda da Globo e foram para as ruas repetindo mantras. Ninguém percebeu que a OAB estava a favor e, muito menos, procuraram saber porque uma instituição formada por juristas estava a favor dessa emenda. Ou seja, não houve debate, houve apenas gritos furiosos que nem se quer se davam ao trabalho de escutar o outro lado.

O programa mais médicos teve a mesma recepção, embora com o tempo e com muito esforço, a situação conseguiu ser revertidas pouco a pouco, até o ponto em que o programa tem sido cada vez mais aceito.

Mas o caso mais enigmático, ao meu ver, é o Julgamento do Mensalão. O ódio nos comentários chega ser surpreendente. Ninguém está minimamente preocupado com o julgamento em si, ou seja, com apresentação de provas, com os trâmites legais, com os pareceres de juristas, com os questionamentos e com as questões técnicas. As pessoas simplesmente só querem ver condenações, querem ver punição e se possível, até morte e sangue. O próprio senso de justiça é subvertido. Justiça deixa de ter o significado de acareação de provas e de condenações e punições/absolvições previstas em lei e na jurisprudência e toma um caráter de vingança. E pior, os réus passam a ser condenados a priori, se tornam bandidos da pior espécie a partir do momento em que a acusação surge contra eles. E se isso já não fosse pouco, os réus ainda se tornam culpados pela própria natureza, ou seja, por serem políticos. O senso comum e ideias baseadas em preconceito entram com força, em detrimento a argumentos fundamentados. A construção da ideia da corrupção (o interessante é lembrar que a ideia de sociedade corrupta já foi usado antes para promover o ódio e para auxiliar na subida ao poder de grupos autoritários: isso aconteceu na Itália com o fascimo, na Espanha com o General Franco, na Alemanha com Hitler e em outros diversos locais, tendo como o principal argumento a cura para a corrupção política e moral da sociedade), que vai muito para além da corrupção em si, entra como um catalisador que faz com que as pessoas fiquem cegas por uma justiça que não está prevista em lei, mas sim, que tem a ver com vingança, com linchamento, independente de provas.

No caso do mensalão, por exemplo, até onde eu pude ler, não há provas de que houve a compra de votos, mas também não há provas de que não houve. Só que quem tem que provar a culpa dos réus é a justiça. Daí os questionamentos do julgamento. No entanto, ao meu ver, mesmo que os réus tivessem provas cabais de inocência, ainda sim eles seriam tidos como culpados pela grande mídia e, por conseguinte, pela opinião pública que não lê. Pouco importa as considerações feitas sobre o duplo grau de jurisprudência, sobre o uso da teoria do domínio do fato de uma forma completamente adversa da proposta, ou mesmo sobre a falta de provas e sobre o desmembramento do julgamento. Geralmente a resposta para esses questionamentos é “Fodas, eu quero corrupto na cadeia”. Ou seja, não há muito debate e nem abertura para questionamento. As ideias já chegam fechadas e sem perspectiva de mudança.

A minha preocupação é com as consequências de uma opinião pública que não lê, que não tem noção do que é Estado de direito e que age como uma turba enlouquecida, sedenta de sangue, mas que ao mesmo tempo, deseja direitos. Essa demanda ambígua, que quer direitos e não respeita os direitos dos outros me lembra a velha frase que foi muita dita até os anos 80 por muitos políticos: “Aos amigos tudo, aos inimigos, os rigores da lei”. Penso que ainda há um ranço dessa forma de pensar na nossa população. Duvido muito que a maior parte das pessoas que querem cadeia a qualquer custo para os mensaleiros aceitariam calados serem colocados presos sem provas.

Enfim, o meu medo é que daqui para a frente acabemos construindo uma sociedade fascista, que deseja impor ao outro as suas verdades, sem debates, sem leituras, apenas com ódio, força e gritos. E o que eu gostaria de saber é qual seria o caminho para transformarmos a nossa opinião pública em uma opinião leitora?


Átila Siqueira.
Átila Siqueira é historiador, formado como Bacharel em História pela PUC-MG, e também é escritor.
 

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