“Black blocs são minoria, mas símbolo importante da resistência”
Cientista político, Saul Newman diz que esses manifestantes são a face mais visível do anarquismo hoje
Os grupos de pessoas que se reúnem para quebrar bancos e
concessionárias em protestos podem não ser os mais numerosos, mas são
uma face reveladora da resistência nas manifestações ao redor de todo
mundo. Está é a avaliação do cientista
político Saul Newman sobre a tática dos black blocs. Professor de teoria
política da Goldsmiths University, de Londres, Newman cunhou o termo
pós-anarquismo, útil para definir formas de resposta direita, às vezes
radicais, a um estado que interfere cada vez mais na vida de seus
cidadãos.
Em entrevista a CartaCapital por e-mail, ele fala da
dinâmica dos black blocs e como eles se relacionam com o anarquismo.
Veja a íntegra abaixo:
Carta Capital - Qual é o espaço dos black blocs no anarquismo hoje?
Saul Newman - O Black Bloc se tornou o símbolo mais visível e marcante
do anarquismo hoje. Aos olhos do público, o anarquismo e o Black Bloc
são indistinguíveis. Além disso, a importância da tática Black Bloc em
manifestações anticapitalistas e em insurreições recentes em todo o
mundo tem alimentado muitos estereótipos da mídia -dos anarquistas como
violentos e destrutivos. Isso é uma caricatura grosseira do anarquismo
que tem uma longa história.
No entanto, enquanto Black Blocs
podem só representar uma pequena minoria no movimento anarquista, eles
são hoje um símbolo importante da resistência, e até mesmo do surgimento
de novas formas de política antiautoritárias. Eles simbolizam a ação
direta, a vontade de enfrentar a violência policial, o anonimato e a
invisibilidade.
A face oculta tornou-se a imagem que define o
ativismo político radical contemporâneo. É possível ver isso no Occupy,
na Primavera Árabe, em protestos e manifestações em todos os lugares.
CC - Especialistas dizem que cada indivíduo na tática black bloc tende a
lutar sua própria batalha, assim ele não é um grupo, mas uma tática
usada sempre em um contexto específico. Como você analisa isso?
SN - Como uma tática e um símbolo, acho que ela é extremamente
interessante e poderosa. A violência que está associada tem sido muitas
vezes exagerada pelos meios de comunicação -geralmente envolve danos à
propriedade, em vez de violência real contra as pessoas. Confrontos com a
polícia são muitas vezes uma tática defensiva de contra violência.
Ele não é centralmente organizado, e não tem existência permanente - é
simplesmente uma união de indivíduos singulares para um propósito comum.
Cada participante luta como um indivíduo e também como parte de um
grupo. O indivíduo não é sacrificado para a coletividade mais ampla, mas
se envolve em uma livre colaboração com os outros.
Trata-se da
formação temporária contingente, sem uma identidade clara, que
aparentemente surge espontaneamente e, em seguida desaparece. Os
indivíduos do grupo podem até não saber quem é a pessoa em pé ao lado
deles é, e isso produz uma forma diferente de união - e não um baseado
em identidade, mas no encontro de corpos e desejos. Isto é o que o torna
tão interessante, e por que é tão difícil de controlar.
Sua
estrutura incorpora um novo tipo de política, uma política de fluidez,
de afinidade, singularidade e anonimato, ao invés de liderança e
representação. O gesto de invisibilidade - a cobertura do rosto e da
ocultação de identidade, que eu mencionei antes - é mais do que
simplesmente uma medida de contravigilância, é também uma recusa de toda
a ideia da identidade e da representação política, que até agora tem
sido preponderante.
CC - Podemos dizer que as organizações de mídia, criticando sua atitude, tendem a dar-lhes mais poder?
SN - A mídia corporativa, em colaboração com os detentores do poder,
fazem o seu melhor para demonizar o Black Bloc. E, de fato, usam seus
confrontos bastante espetaculares e altamente visíveis para deslegitimar
o protesto mais amplo. Uma das outras táticas retóricas utilizadas
pelos meios de comunicação é fazer uma distinção entre manifestantes
violentos e pacíficos, bons e ruins, como forma de criar divisões dentro
de um movimento . Parece-me que essas manipulações ideológicas não
funcionam mais.
É verdade que o Black Bloc cria um espetáculo,
mas é um espetáculo de sua própria criação, um contraespetáculo que visa
subverter e sabotar o espetáculo midiático que toda a política
democrática se tornou. O que eu acho interessante é a maneira que os
manifestantes usam o poder da imagem para criar uma narrativa
alternativa - filmando o protesto em que eles estão envolvidos em seus
telefones celulares, postagem de imagens para sites de redes sociais, e
até mesmo definir formas de mídia alternativa. Vivemos em uma sociedade
do espetáculo, como o situacionista Guy Debord reconheceu há muito
tempo, uma sociedade que é controlado e gerenciado através da circulação
de imagens. E para enfrentar isso, ativistas e insurreições têm de
criar uma espécie de contraespetáculo.
A reportagem foi creditada a revista Carta Capital pela postagem da página do Facebook Blog A
