No último dia 14 o
julgamento do Mensalão foi retomado, para que os ministros do
Supremo Tribunal Federal julguem os recursos dos condenados. Em meio
a isso a mídia já vem se posicionando novamente, clamando por
condenações e falando de novo em nome do povo, com slogans como: “o
povo deseja ver justiça. O povo está cansado de impunidade e
corrupção” e etc. O mais interessante é que a mesma mídia, que
diz que o povo está cansado de corrupção, não fala muito do
recente escândalo envolvendo o metrô de São Paulo, não fala das
acusações contra Aécio Neves em Minas Gerais, não falou nada
sobre as graves acusações feitas no livro a Privataria Tucana,
dentre tantas outras coisas envolvendo possíveis casos de corrupção
do PSDB.
Outra coisa
interessante é que a mídia não só já tomou partido, enfatizando
desde o início que os acusados precisam sair condenados, como também
não se prestam a fazer o próprio papel de imprensa, falando dos
erros que estão sendo apontados no julgamento por juristas,
jornalistas, livros e outros meios de comunicação, como se tais
questionamentos não pudessem ou não fossem relevantes de serem
noticiados, mesmo quando o julgamento em si e a tese da acusação é
noticiado exaustivamente. Ao mesmo tempo, vemos muitas pessoas
embarcarem na ideia da condenação, dizendo, inclusive, que há
recursos demais, que deveria haver condenação imediata e coisas do
tipo, sem se quer compreenderem os princípios básicos de um
julgamento em uma democracia e em um Estado de Direito.
Se essas pessoas
soubessem do que se trata um julgamento, se elas soubessem que
justiça é diferente de ações de justiceiros, elas entenderiam
coisas simples, como o fato de que todo réu tem a prerrogativa da
inocência, ou seja, que toda pessoa é inocente até que se prove o
contrário, e que quem precisa provar a culpa é a acusação. Essas
pessoas também entenderiam que testemunhos são provas
circunstanciais, sobretudo quando o testemunho vem de pessoas que
podem ter interesses diversos na condenação daqueles que estão
sendo acusados, de forma que o testemunho tem validade real apenas
quando vem corroborando o que a documentação diz, ou então quando
vem de pelo menos um número mínimo de pessoas tidas como idôneas
frente a interesses em um caso. Por último, essas pessoas saberiam
que a qualquer acusado ou condenado vale o direito a recorrer em
todas as instâncias possíveis, ao passo que isso também pode
aumentar penas, diminuí-las ou extingui-las.
Para alguns isso
pode parecer direitos demais, como eu tenho visto ser comentado por
ai, mas essas mesmas pessoas não entendem ou não sabem que é isso
que garante que o indivíduo não seja condenado sem ter cometido
crime, ou seja, é isso que garante que você, eu, seus parentes,
seus amigos, seus inimigos e todo mundo não seja pego por engano
pela polícia, por estar vestido com roupa parecida, por ser
fisicamente parecido ou por outro motivo qualquer. Há pouco tempo
aconteceu um caso assim aqui na cidade onde eu moro, Belo Horizonte.
Vou falar do caso apenas para exemplificar, pois ele não tem nada a
ver com o julgamento do Mensalão. O caso foi assim: uma moça foi
estuprada perto de uma construção e os trabalhadores da obra foram
atribuídos como os principais suspeitos pela polícia. Os rapazes
foram linchados, mas não foram mortos porque a polícia interviu.
Rapidamente os revoltadinhos de plantão criticaram a polícia e os
direitos humanos, dizendo que estavam defendendo estupradores, que
era um absurdo, que deveriam ter deixado a população linchar e
fazer justiça, para servir de exemplo. Poucos dias depois os exames
de sêmen e os de corpo de delito comprovaram que não foram os
rapazes e que foi outra pessoa, que se não me engano, já foi até
capturado e está respondendo na cadeia.
Agora, imaginem se
tivéssemos deixado os rapazes serem linchados? Imagine se entre
esses rapazes estivesse você, ou seu parente, seu amigo de infância,
seu filho, e que ele fosse brutalmente assassinado sem ter cometido
nenhum crime? E percebam, eu não estou aqui defendendo estuprador e
bandido, eu estou defendendo os direitos de todos de terem ampla
defesa, de terem o direito de serem investigados e de provarem a sua
inocência. Eu sempre fui a favor de penas mais duras para vários
crimes, dentre os quais o crime de estupro e também para o crime de
corrupção, só que isso não quer dizer que devemos sair julgando
sem escutar os dois lados da história e sem investigar a fundo,
ouvir todos os questionamentos, para que então de fato se possa
fazer justiça, afinal de contas, se você é a favor de prender e
até de matar sem que façamos todas as investigações, então
amanhã pode também acontecer com você. Você pode ser amanhã
confundido com um estuprador, com um ladrão, com um assassino, e ser
preso ou morto sem ter o direito de dizer que não foi você, sem ser
ouvido. O direito a ampla defesa, e também de não ser pré-julgado,
é aquilo que garante que as provas serão de fato levadas em conta,
pois justiça se refere a punir alguém com base em provas, e não
com base apenas no desejo de ver alguém pagar por algo que aconteceu
ou ainda, que supostamente aconteceu.
Esse é exatamente o
caso do mensalão, pois os dois lados não tiveram voz. Será que a
maioria das pessoas sabe que existe uma acusação de sumiço de
documentos no processo? Será que as pessoas sabem que não existe
nenhum documento que realmente prove que houve compras de votos? Será
que essas pessoas sabem que houve tratamento diferenciado nesse
julgamento por parte da imprensa e do próprio Supremo, ao não
desmembrar o caso e a interpretar a constituição de forma diferente
no caso de perca de mandato de deputados? E ainda, será que as
pessoas sabem que existem indícios de que há interesses políticos
por trás desse julgamento e por trás da cobertura e da forma de
cobertura feita pela mídia? Será que esses e outros questionamentos
são tão ruins assim? Se não tem problema nenhum, se esses
questionamentos são mentira, porque então a mídia não fala deles
abertamente e não coloca a questão em debate? Procurem as
informações por vocês mesmos, e vocês vão ver que existem uma
série de questionamentos ao julgamento, e pior, ele corre o risco
sério de ser anulado em uma corte internacional, pois se os erros
que estão sendo apontados forem verdadeiros, uma corte internacional
poderá anular as condenações e até mesmo condenar os juízes por
fraude. E em uma corte internacional fica mais difícil sumir provas,
pois nela existem olheiros de todo o mundo e sempre alguém dá o
grito.
Um julgamento em que
o Procurador Geral da República inicia dizendo que não há provas
porque quadrilha não deixa provas, e onde ministros votam dizendo
que não há provas da culpa, mas que vão condenar porque podem, é
no mínimo algo a ser questionado por qualquer um que tem o mínimo
de senso crítico, seja lá quem estiver sendo julgado. Isso para não
falar na postura do Ministro Joaquim Barbosa, que parece não aceitar
debates que fujam do seu ponto de vista, xingando, ofendendo e agindo
fora do decoro contra qualquer um que ouse a questioná-lo ou que
ouse a pensar diferente dele.
O amplo direito de
defesa foi negado aos acusados, sobretudo pela mídia, que encabeçou
a ideia, desde o início de que se não houvesse condenações o
julgamento estaria acabando em pizza. E aparentemente os juízes se
deixaram levar pela pressão da mídia e pela pressão popular
construída pela mídia, que pré-condenou os acusados antes do
julgamento. Só que agora os questionamentos se espalham e será
difícil sustentar esse julgamento e sua falta de provas, sobretudo
porque os interesses políticos parecem aparecer a todo momento em
denúncias, onde vemos Barbosa posando ao lado de políticos do PSDB,
como Aécio Neves e Anastasia, ou ao lado de militantes famosos do
PSDB, como Luciano Hulk, que ainda deu emprego ao filho do ministro.
Isso sem contar na predileção partidária da Globo, revista Veja e
outros grupos da imprensa pelo PSDB e os casos de sonegação e
corrupção que aparecem sendo atribuídos a Globo e que não são
investigadas e julgadas pelo Supremo. Ou seja, no fim das contas, uma
rede de interesses e emaranhados vai surgindo pouco a pouco por trás
desse julgamento, que vai sendo cada dia mais questionado,
primeiramente pela falta de provas, depois pelos interesses que podem
haver na condenação de certas pessoas, para beneficiar o grupo
político rival e o grupo empresarial que tem interesses diferentes
daqueles propostos pelo partido dos acusados no julgamento.
O que eu digo então,
no final das contas, é que cada um busque entender o caso da melhor
forma possível, e por si só. Não confiem cegamente na grande
mídia, pois ela tem seus interesses. Sejam pessoas inteligentes e se
querem se posicionar sobre o assunto, então leiam as argumentações
dos dois lados. Depois de ler as duas argumentações, então se
posicionem como acharem melhor. Isso é ser cidadão. Isso é ser uma
pessoa pensante. Mas lembrem-se, direito a ampla defesa é algo que é
para todos, e direito de ser acusado e ouvido também é, e isso não
está acontecendo nesse caso, assim como em muitos outros, e vão
usar isso politicamente nas eleições presidenciais do ano que vem.
O PT pode ter seus
problemas, mas eu não conheço nenhum governo que tenha feito mais
pelo povo no Brasil, pelo povo de verdade, pelos marmiteiros, ainda
que tenha muito a se fazer no Brasil. Ao mesmo tempo a grande mídia
quer encabeçar novamente a candidatura do PSDB, que em seus governos
federais e estaduais, ao meu ver, nunca fez nenhuma grande política
voltada para o povo, para os mais pobres, aqueles que mais precisam
do governo para conseguirem estudar, para conseguirem emprego e
abandonarem a pobreza. E se formos falar de corrupção, então
joguem na internet e verão os casos de corrupção em que o PSDB se
vê acusado. Essa é a questão que na verdade está em jogo, as
eleições de 2014, e há interesses nela por parte das mídias, que
por isso noticiam certas coisas e se omitem de outras, encabeçam
condenações e pressionam para que seus objetivos sejam atingidos.
Átila Siqueira.
Átila Siqueira é
historiador, formado como Bacharel em História pela Puc-MG, é
escritor e colunista e Editor-Chefe do Blog: Brasil em Discussão.